Deixava-se ficar por ali.
Deitado numa espécie de
almofada que lhe abrangia todo o corpo e rodeado por seis pedaços de
madeira envernizada. Era assim que estava agora. O corpo ainda era
fresco mas iria despedaçar-se. A força perdera-a no mês passado.
Adormecera, pela última vez, encostado ao tronco de um carvalho
velho.
Trabalhava freneticamente
e esse mesmo trabalho fulminara-lhe o coração. Sentiu-se
imensamente cansado. Uma dores agudas afectaram-lhe o braço. Pousou
a enxada. Sentou-se devagar debaixo da sombra onde guardava o farnel
e o pequeno garrafão de tinto. Sentiu sede. Com algum esforço,
encheu meia caneca e bebeu tudo de uma só vez. A bebida
refrescara-lhe a garganta mas foi só isso, apenas refrescou. A sede
continuava lá.
Respirava com bastante
dificuldade. A força começara a esvair-se. Um único aperto no
peito acabou com ele. A cabeça caía-lhe no peito enquanto os olhos
se fechavam, cansados, com imensa lentidão e agonia. O silêncio
inundou-lhe os lábios afogando-o, por fim, na morte.
Nas noites mais quentes
apanha boleia do fogo e leva no bolso a rebeldia da juventude. Vai
esticar as pernas. Visitar os semi-jardins que as jarras de flores de
plástico, horríveis e sem cor, formam. A rebeldia salta-lhe do
bolso e acorda a vizinhança. Uns berram, outros consentem a correria
e, outros ainda, deixam-se estar deitados. Por ali se fica Augusto.
Divertia-se, por vezes acompanhado dos dois corvos irmãos, por vezes
só. A morte é solidão, ou não.
Não sentia falta de
nada. Tinha tudo, podia tudo, outra vez. Setenta e quatro anos. Por
vezes, nas noites de Primavera, voltava a ser espírito de catraio e
pulava a cerca, subia aos castanheiros, fazia ninhos aos pássaros e
exilava os cucos infiltrados. Por ali ficaria por bastante tempo e
aproveitava a estadia.
Setenta e quatro anos.
Catraio.
O coração parou de
bater mas ele ainda corre, alegre, na sua morte, atrás dos pássaros.
Até um dia.
Afinal, um dia será pó.
Pó que irá ocupar o caixão castanho de bordos dourados. É assim a
sua última morada, castanha, com bordos dourados.
Sem comentários:
Enviar um comentário