quarta-feira, setembro 3

Quarto 1

O quarto 1 hoje estava destinado ao inferno.

As lembranças, que acompanhavam a família na viagem estavam espalhadas pelo chão, penas das almofadas esvoaçavam, trémulas e com medo pelo ar. Gritos surgiam da casa de banho à medida que um vento estonteante esventrava a janela entreaberta do quarto. Porém os gritos de nada valeram e rápido foram calados. Aquele corpo de mulher já adulta ficava para trás, no chão, morto e recortado, em pedaços.
Um vulto saído da casa de banho aproximava-se fugazmente da cama onde um pequeno corpo estava, escondido, debaixo dos cobertores. Desfiados sussurros vinham debaixo daquela seda azul. Com um gesto brusco, o homem, arredou os cobertores. A pobre rapariga levantou o rosto, mesmo dominada pelo medo, a cara não lhe era de todo estranha, mas hoje não se conheciam.
Um bafo flamejante a álcool fazia-se sentir perto do nariz da pequena. 
Assim que o homem levantou a mão começaram a ver-se cabelos esticados. A miúda, com os olhos afogados em lágrimas, gritava tanto quanto os pulmões a deixavam. Uma cabeça, arrancada à força de um corpo franzino, tímido e vulnerável pendia na mão daquele homem. No rosto ensanguentado eram claros os traços e feições da mãe da pequena rapariga, da mãe de Susan. 
Apesar dos gritos cortantes de Susan, ele não se acanhava, estava determinado a acabar o serviço e a voltar para o sítio de onde veio. Assim que largou a cabeça que trazia na mão ela bateu no chão e rolou, aos ziguezagues até parar junto a um dos móveis. Tim, ou pelo menos este seria o nome dele antes de ser possuído, aproximou-se da cama onde a rapariga permanecia congelada.
 Da mão dele levantava-se uma lâmina ainda com restos de sangue da decapitação. Enquanto a criança observava a cabeça da mãe num canto já com os olhos petrificados, ele, sem dó, e com um sorriso ardente e atroz, matava-a, com um simples balanço de pulso. Um jacto de sangue voou e caiu sobre os lençóis azuis. Um lago de sangue crescia na cama depois do cadáver de Susan sucumbir à gravidade. De um lado ao outro, a garganta abrira-se e tudo o que se via era sangue, sangue que vertia ainda quente. 
O cheiro forte do sangue fez com que ele desligasse por segundos.
Quando regressou a si, levantou a lâmina, limpando-a com a mão e, no fim, encaminhou a mão ensanguentada até perto da cara: primeiro cheirando, depois como se de comida se tratasse saboreou aquele sangue quente que corria dentro de veias e que agora não passava de enfeites na cama. 
Depois disto, Tim viu-se perder as forças e acabou por desmaiar. O desmaio foi curto, passado algum tempo e já com pessoas à porta do quarto, levantou-se e, sentado na cama, depois de se aperceber e de se relembrar do que tinha feito, do que o álcool e um demónio travesso o tinham obrigado a fazer, cravou a faca com que matara a mulher e a filha no seu coração, suicidando-se por entre um choro fino e quase discreto e por entre um murmúrio, desculpava-se em modo de confissão:

- Desculpa Mary, desculpa Susan.

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