quarta-feira, janeiro 15

Caos

13 de Agosto de 1993, Sexta-feira

Os médicos andavam atarefados no hospital. No espaço de uma hora, duas mulheres deram entrada no hospital, ambas prestes a dar à luz e, é aqui, que tudo começa.
No dia 13 de Agosto de 1993, duas crianças nasceram; duas crianças que, anos mais tarde se iriam voltar a cruzar. 
Neste dia nasceram Ralf e Nico.

Ralf e Nico apenas tinham o dia de aniversário em comum.
Moravam em zonas distintas da cidade e estudavam em escolas diferentes. Até três anos atrás. Nico foi transferido de escola, pois a anterior apenas lhe oferecia hipótese de estudar até o 9º ano.
Como todos os anos, a escola estava próxima de começar. O mês de Setembro estava já a meio. Nico não se mostrava nada entusiasmado com a ideia de ir para aquela escola, apenas porque seria uma mudança repentina, não por causa de deixar amigos para trás, pois isso seria impossível já que ninguém era seu amigo. Todos diziam que ele era estranho, havia até quem dissesse que ele era “maluquinho”. A verdade é que Nico apenas era diferente, preferia outras coisas, ao contrário do resto dos rapazes, Nico não jogava à bola; preferia trancar-se dentro de si com os fones nos ouvidos e mergulhava de cabeça nos livros que gostava de ler ou apenas vendo os outros miúdos correrem atrás da bola ou dando gargalhadas com brincadeiras estúpidas e sem sentido. Nico era assim, calado, reservado, observador, inteligente, gostava de ler e ouvir música e, por vezes, parecia viver num mundo só dele e que só ele percebia.

O primeiro dia de escola tinha chegado.
Nico ia começar o secundário.
Dias antes foi à escola saber em que turma tinha ficado. 10º A era o que constava no papel afixado. Depois de dezasseis anos, Ralf e Nico voltariam a encontrar-se.

Ralf.
Ralf, ao contrário de Nico, tinha imensos companheiros. Não era propriamente o aluno de topo, mas sempre se ia safando. Aliás, a melhor qualidade que ele tinha era maltratar os outros. Era egoísta, era aquele tipo de rapaz que todos nós conhecemos ou ouvimos falar, não porque é bom, mas porque é mau e anda à pancada por tudo e por nada, é o típico bruto. Ninguém se atreve a meter com ele, para além de bruto, grande parte dos seus companheiros na escola eram rapazes mais velhos.

O primeiro ano de Ralf e Nico juntos correu sem grandes acidentes. Nico limitava-se a fazer o que sabia, estudava, ouvia música trancado dentro de si, não falava, ou raramente o fazia e nunca deixou ninguém aproximar-se dele, fosse rapaz, fosse rapariga. Assim como Nico, também Ralf limitou-se a fazer o que sabia: gozar com os outros e andar à pancada.

Os dois anos que se seguiram foram diferentes.
Ralf não se contentara com gozar com os miúdos e virou-se então para Nico. Durante quase dois anos Nico foi gozado por toda a escola.
A primeira investida do Ralf foi por causa de um livro que Nico tinha. 
O livro era sobre coisas sobrenaturais, espíritos, demónios, feitiçarias e coisas do género. Ralf começou a gozar com ele, dizendo que ele era maluco e que queria ser bruxo. Toda a escola gozava com ele por causa disso, o que eles não sabiam é que o pai do Nico tinha morrido por causa de um cancro e ele – Nico – acreditava que, se pesquisasse e lesse as coisas certas, podia falar com o pai. Ele não era maluco, apenas se sentia sem rumo e tinha fé, mesmo que isso não servisse de nada.
Os episódios de bullying multiplicaram-se, os nomes seguiram o mesmo caminho, os gozos aumentaram até ontem, sexta-feira.

Já era o último ano de ambos na escola. Apesar de todos os gozos, todos os episódios de humilhação ou as ocasionais cenas de pancadaria, Nico não desistiu. Até que, na quinta-feira, Nico perdeu a cabeça. 
Ralf teve mais uma cena de pancada e Nico foi-se meter, tentando puxar o rapaz mais novo que estava a ser espancado. Tudo acabou em mais uma humilhação para o Nico.
O pior ainda estava para vir. No fim das aulas, Ralf e dois colegas apanharam Nico no caminho para casa e arrastaram-no para um beco. Bateram-lhe várias vezes e queimaram-me os braços com as pontas dos cigarros. Isto foi a gota de água para Nico, pois ele jurou a si mesmo que seria a última vez que Ralf iria fazer o que quer que fosse contra ele.

Há alturas em que atingimos o limite e, até a pessoa que parece ser mais pacata, se pode transformar num monstro.

No dia seguinte, Nico só tinha uma ideia na cabeça: vingança.
Chegou à escola.
Aguentou os seus sentimentos de revolta e esperou pelo momento certo.
Deixou Ralf entrar na casa de banho e seguiu-o. 
Tirou um x-ato da mochila e escondeu-se dentro de um dos compartimentos. 
Esperou Ralf sair do compartimento onde estava e colocar-se bem em frente ao espelho que cobria a parede. Assim que o tinha em posição, colocou-se atrás dele com a lâmina em punho. 
Ralf não conseguiu falar. Olhou o espelho e ficou perplexo quando deu conta que era Nico que estava atrás de si. Não queria acreditar, mas era verdade, Ralf tinha ajudado o monstro que Nico escondia dentro de si a revelar-se.
Nico encostou a boca ao ouvido de Ralf, encostou o x-ato à garganta de Ralf e sussurrou-lhe ao ouvido:


-Sabes, os valentões também morrem.


A carne do pescoço de Ralf separou-se.
O sangue jorrou com toda a força enchendo o espelho.
Ralf caiu praticamente morto no chão; e Nico?
Nico teve, finalmente, a sua vingança.

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