Um arrepio curto percorre o teu corpo longo à medida que a lâmina fria
encosta-se às tuas costas despidas. Não preciso de ver, mas sei que o medo
dominou o teu rosto por breves segundos.
Desvio o cabelo e encosto os lábios ao teu ouvido lançando um suspiro
cortante e espesso. Sussurro uma meia dúzia de palavras curtas e estridentes.
Quando me encostei pude sentir o nojo riscar-te a face e, agora, quando falei,
vi surpresa. O espanto que todos sentem quando lhes falo.
Limito-me apenas a responder à pergunta que todos fazem: “Porquê eu?”.
A minha resposta? Sempre a mesma, assim como todo o ritual que a
procede.
“Hoje és tu, amanhã, ou depois, é outro. É tudo uma questão de
divertimento onde o único objectivo é apaziguar o tédio.”
Calo-me. A ponta da faca encostada ao corpo, belo e singelo, perfura
bruscamente o peito e, de um só vez, a lâmina enterra-se. Ele – o corpo – cai
pesado e frio, esvaindo-se em sangue e vai dando um tom garrido à pele que
perde a cor e ao chão velho sem verniz.
Vou deslizando, com as costas na parede fria, até ao chão. Espero, recolhido
e com as mãos juntas aos joelhos, pousadas nas pernas, na frente do corpo, pelo
suspiro definitivo para poder sentir aquele arrepio de prazer que me toca cada
vez que um ânimo foge, desesperado, do cadáver. Vou-me embalando, balouçando
para trás e para a frente os pés, levando, em todo o movimento, o corpo atrás.
Com os olhos fixos nela sustenho a respiração, não falo, não ouso fazer qualquer
outro movimento senão balouçar. Ela ainda se debate, mexe-se duas vezes. A boca
tapada por um pedaço de cortina rasgado à força impede-a de gemer, berrar ou
pedir auxílio. O olhar atormentado basta para eu saber que ela o faz,
freneticamente e em desespero, mas de nada lhe serve. Os seus movimentos vão se
petrificando. A respiração vai morrendo. Sinto-a encher o peito, vagarosamente,
e disparar, uma última vez, todo o ar que lhe enchia os pulmões.
Parei de balouçar. Agarro o cabelo curto com as mãos, encosto-me, com
as pernas estendidas, e suspiro, fortemente, para o ar.
Levanto-me e, ligeiramente e de uma só vez, arranco a lâmina do peito.
Limpo-a com o lenço que trago no bolso e volto a colocá-la dentro do casaco, no
pequeno bolso junto ao peito. Vou saindo, devagar, abandonando a minha última
diversão.
-Até breve! – murmuro.
Fecho a porta atrás de
mim.
Dizendo um até já, curto,
ao tédio, que desapareceu,
mas que há-de, certamente, voltar…
o teu primeiro texto do blogue é um "Até Breve". É uma ironia bonita e uma certeza de que vieste para ficar.
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