Voltei. Voltei de uma guerra para me
vir embrulhar noutra.
Enquanto éramos novos gritamos um pelo
outro por entre as linhas das cartas que escrevíamos. Na altura eu
estava no mato, numa guerra que não comecei, numa daquelas
províncias infernais para as quais ninguém queria ser destacado.
Tu, de coração aos pulos, ias afogando saudades nos papéis das
cartas violadas por outros antes de chegarem às tuas mãos.
Tu esperavas, angustiada, na remota
aldeia. Esperavas ansiando a carta que anunciaria o meu regresso e,
do mesmo modo, ansiavas, desesperada, que a carta que anunciaria a
minha morte nunca chegasse.
Os anos passaram.
Os anos passaram.
Hoje sou eu quem afoga saudades nas
cartas que trocamos e remexo pensamentos sobre outras que ficaram por
trocar – umas por falta de coragem, outras por falta de permissão
e ainda outras que só Deus sabe porquê. Eu sobrevivi à guerra
fútil dos homens, mas tu pereceste numa guerra desigual e muito pior
que a dos homens.
Faz hoje cinco anos. Já não trocamos
cartas amor.
Os olhos ainda agora, passados estes
longos e dolorosos cinco anos, choram pela tua ausência. Os olhos
estão já cansados, o corpo gasto e velho e com rugas, a alma
gravemente ferida com os estilhaços que a tua morte lançou ao ar.
A tua guerra com aquela maldita doença
foi injusta, mas, mesmo assim, ainda tiveste força e ripostaste,
admiro-te essa força. Sou sincero agora que estou sozinho e ninguém
me ouve, quem me dera, quem me dera ter metade da tua força neste
momento porque, sabes, força e esperança é o que mais me falta e
era o que, formidavelmente, tu conseguias, apesar de tudo,
transbordar.
O copo está cheio, um pouco de água e
uma mistela que me leva rápido. Eu já vou sim?
Espera por mim no último lance de
escadas que eu estou a chegar amor.
Estúpido, tolo. Tento enganar-me, mas
depois disto não me resta senão esperar que te encontre.
Talvez nos voltemos a ver.
Talvez voltemos a trocar carinhos.
Talvez voltemos a trocar cartas porque
nós, meu amor, já não trocamos cartas.
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